marielle

se quiserem nos matar

precisarão começar pelos nossos

corpos, que a bala

varre, que a fome

come, disponíveis, sim, ainda que a gente

dificulte grite se junte

ao murro

seco da corporação

 

mas logo depois teriam

que matar

o que restou,

a mancha de vida a marca do corpo a

sombra a memória que grita duas vezes

mais,

espalha trezentos

metros mais,

e o cacete não pega não adianta

o decreto não segura

a censura multiplica

                     e se soltam

                     do céu bombas

                     negras cápsulas

   de chumbo frio

que contém

              latente

o final

 

isso que restou salta ao ar:

são trapezistas cintilantes, aves

prenhes de sonho, girassóis e nomes

corpos vozes e nós – nada

                           se apaga

um material estranho

que contamina a terra

a partir do sopro

da explosão

antes que me matem

à verdade
de tudo não temos acesso
estamos na dimensão
da carne tentando
outras vezes
labutar adiante polindo pedras claras
embalando quentes cogumelos
em faixas de gaze de seda serena
temer que as asas derretam
sob o sol tem o nome
de queda, o que fazer
frente à cidade
mundo nos engolindo todos
os dias passam
pernas peitos há presos amontoados
como livros velhos há medo muito
medo ninguém realmente sabe
de nada passam peitos pernas bandeiras
horas largas, e junto
se construindo sob os olhos
a Iminência:
⠀⠀⠀⠀no próximo instante
⠀⠀⠀⠀subirá
⠀⠀⠀⠀um deus
da terra
para festejar as estações

resposta à pergunta: engolir
de volta o mundo
gritar mais alto estender mais longe
ó lua ó vértebra ó glitter
o amor será as pontas de nossos dedos
me recuso a morrer antes que me matem

a virus from outer space

ler os tempos, estar nos tempos
da maneira que for possível.
que dias estes
apesar de que há
ainda e sempre
uma luz do que é essencial
a nos dar certo rumo.

a barbárie na porta.
que tempos
em que construímos a memória
com urgência
esperando que ela reste
um monumento se algo por fim nos tirar
a força ou a vida.

no entanto:
espalhar
verdade e beleza
pelas quinas do labirinto

espreitar o monstro
bípede que circula e tem fome
mas não lhe dar ouvidos

tecidos frágeis e células
nervosas
a matéria comum que esmerilhamos
quando parece que o fim chega
vinte vezes ao dia e ainda assim
vem alguém de outro mundo
toca nossos olhos
diz que somos ridículos
sai a beijar os mendigos da rua