fazer um poema

como quem acorda devagar, espreguiçando
uma outra tarefa que não o poema.
fazê-lo deixando-o de lado
com frequência terrível, um abandono
qualquer nas mãos: ignorando
o desejo de que fique pronto,
considerando o poema equivalente
a refeições, encontros,
observação de pássaros.

ver o poema perder aos poucos
os dentes de leite, por acidente.
vê-lo crescer distraído, irrelevante com o passar
da casa, sem projetos, um bicho,
uma planta e contente quem
sabe. ver como muda o corpo do poema:
como crescem pelos sobre o poema.

fazer um poema deixando que ele
se faça, ou que a vida o faça, sem
apressar nem um nem outro: até que
um dia, sem aviso, ele mesmo descubra
o que veio fazer aqui: e nessa hora
atenção — só isso:
eu, você ou quem
ainda estiver por perto.