sereia

procuro
mistérios insondáveis em coisas
simples como suas mãos
             desenhando no espaço que respiramos
             uma visão da noite passada

aprendi esse ano que o casulo é pra sempre

segredo dos bichos que praticam
a metamorfose
como rito cotidiano:
não existe início não existe final
isso que chamamos tempo
isso que chamamos vida

– e aqui nós, os inteligentes –

coragem, bebida
de muitas ervas

nem sempre saber
o que tem dentro do
momento
de que se bebe
é também entrega
ou quem sabe amor

depois, chamar de vida o
que cresce
nas frestas de nossa desesperança

olhá-la com a atenção dos precipícios

quando toda origem é traçada
de volta ao mar
odoyá sereia
suas águas ensinando: calmaria e desordem
coisas que a gente inventa

escuto que o casulo é pra sempre

que não tem isso de fugir mais cedo
se o vento começa a balançar

transparência

você implorando palavras
enquanto olha o céu as nuvens de fogo
os prédios dos homens

vejo sua respiração
grande cansaço das coisas
desde quando andar era uma
descoberta
até agora em que todo caminho
mata fechada selva ou cidade adentro
exige de nós a fortaleza do corpo
exige parcerias amores muita reza
muita coragem

a gente aqui debaixo do azul
se perguntando

quando é que
será lá na frente
talvez o brilho
de que falavam os antigos

talvez pouco
pequenas recompensas do cotidiano
a certeza de estar aqui

apoiados na imensidão

você descendo os olhos o concreto do ponto
de ônibus ainda
morno
desses dias verão no trópico

retendo toda a mansa impureza
deixada pelos sapatos
daqueles que caminham

guardando tanto de nosso anseio
que escorre quando num lance
rápido de olhar te encontro
e por telepatia você escuta
enquanto repito um mantra
hoje o que posso
com meu corpo o que tenho

proteção de nossas próprias ilusões

e não longe as palmeiras
muito quietas
nos ensinam a ficar
em pé

inventar nosso alimento

transmutar fuligem
em transparência